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O Interdito judaico e muçulmano ao consumo de carne de porco

“Não comereis o porco porque tem a unha fendida, mas não rumina; considerá-lo-eis impuro”
Deuteronómio, 14:8



“…que se edificassem altares e santuários e ídolos e se sacrificassem porcos e animais impuros…”
I Macabeus 1, 56



“O porco que tem o pé córneo e até o casco bifurcado, mas que não rumina, será impuro para vós. Não comereis carne de nenhum deles nem tocareis nos seus cadáveres, são impuros para vós.”
Levítico, 11:7-8.



“A Eleazat, um dos primeiros doutores, varão de avançada idade e nobre aspecto, abrindo-lhe a boca, queriam forçá-lo a comer carne de porco. Mas ele, preferindo uma morte gloriosa a uma afrontosa vida, foi de sua própria vontade ao suplício, e a cuspia, como hão-de fazer os que têm valor para rechaçar de si quanto não é lícito comer por amor à vida.”
II Macabeus 6,18,19,20



 

 

Retrato Imaginário de Maimônides

Retrato Imaginário de Maimônides, como encontrado no Thesaurus Antiquitatum
Sacrarum, séc. 18, (Imagem presumivelmente atribuida a Blasio Ugolini)

“São-vos proibidos para a alimentação: a carne putrefacta, o sangue, a carne de porco.”
Alcorão 2, 168

Duas das denominadas religiões do deserto, a judaica e a muçulmana entendem ser o porco um animal imundo, daí a interdição do consumo da sua carne. A aversão aos hábitos do porco ganha redobrada acutilância na época do famoso higienista de Córdova, o rabi Moisés Maimónides, médico do Imperador Saladino. Segundo Marvin Harris, o rabi justificava a aversão porque, tal como os seus anfitriões islâmicos, sentia viva repugnância pelos porcos, consequentemente pelas gentes que deles se alimentava, em especial os cristãos. Afirma o respeitado antropólogo:


“A principal razão de que a lei proibia o consumo da sua carne tem de encontrar-se na circunstância que os seus hábitos e sustento do porco são sumamente sujos e repugnantes. Daí o rabi dizer: Se a lei permitisse a criação de porcos a egípcios e judeus, as casas e ruas do Cairo ficariam tão sujas como as da Europa, já que «a boca do porco é tão imunda como o próprio esterco». Mas Maimónides só podia dar uma interpretação parcial, já que nunca tinha visto um porco limpo. A afeição deste pelos excrementos não é, sem embargo um defeito circunstancial da sua natureza, é sim a forma de criá-los que usam os seus donos humanos. O gado porcino prefere raízes, as nozes e os cereais, e cria-se de óptima forma à base destes produtos; ingere excrementos somente quando não há nada melhor para comer. De resto, quando estão suficientemente famintos os porcos acabam comendo-se uns aos outros, rasgo que compartem com outros omnívoros e muito especialmente com os seus próprios donos. Tão pouco o facto de revolver-se na sujidade é uma das suas características naturais. Fá-lo para se refrescar e prefere claramente um lodaçal limpo e fresco a um contaminado com fezes e urina.


 

 

Saladino, rei do Egito | de um manuscrito do século XV

Ao condenar o porco por ser o mais sujo de todos os animais, judeus e muçulmanos nunca explicaram o porquê da sua atitude mais tolerante em relação a outras espécies domésticas que tal, como o porco devoram fezes. Galinhas e cabras por exemplo, também o fazem se lhes proporcionamos motivo ou oportunidade. O cão é outra criatura domesticada que desenvolve com facilidade uma afeição pelas fezes humanas. Isto aplica-se especialmente no Médio Oriente, onde os cães de hábitos coprofágicos ocuparam o nicho de lixo que deixou vazio a proibição do porco. Sem embargo, os cães, cuja carne proibiu Iavé, não foram objecto de abominação, nem o seu contacto ou a sua visão se fizeram condenáveis, como sucedeu com os porcos.


Nos seus esforços por atribuir a abstenção da carne de porco à afeição desta criatura pelos excrementos Maimónides não pode ser completamente coerente. O Livro do Levítico proíbe a carne de muitas outras criaturas, entre elas os gatos e os camelos que não manifestam inclinação alguma para a ingestão de fezes”.



As razões para o interdito além das acima referidas assentam no mito da criação, da noção de puro e impuro de decorrente dos preceitos ensinados nos livros sagrados, levando a que os hebreus tivessem estabelecido restrições ao consumo de determinados alimentos, respeitando o determinado pela Bíblia, e os muçulmanos o Corão.



Alguns especialistas afirmam que a hostilidade ao porco por parte de judeus e muçulmanos é também explicada pelo facto de este não ter outra utilidade que não seja a propiciar a sua carne, sendo uma “maldição” quando não existem condições para a sua existência.

Esta hostilidade também alastrou a alguns círculos cristãos, São Clemente entendia ser a sua carne propícia ao desenvolvimento da sensualidade, a gula, a luxúria, a ignorância e o egoísmo.

Saladino, rei do Egito | de um
manuscrito do século XV.

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