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O Porco ao longo da História

É incessante a actividade do Homem na procura de novos alimentos, produzindo, criando, preparando e transformando a multiplicidade de matérias-primas que ao longo de milhares de anos foi descobrindo, seleccionando e domesticando. É dentro desta perspectiva que devemos observar e estudar a sua acção no referente ao tratamento dos alimentos.
Os seres humanos são omnívoros, o porco também, daí no entendimento de Marvin Harris, alguns povos o terem considerado seu directo competidor, logo inimigo.


O Homem come tudo, não come de tudo. Não come determinados produtos por serem biologicamente inadequados, também rejeita outros por razões de ordem religiosa ou de censura alimentar, concedendo largo apreço até a roçar a idolatria a alguns, estando nesse número o porco e seus derivados. Assim é desde que o Homem passou do estádio do cru, podre e fermentado, ao estádio do cozido. Esta a maior e mais significativa diferença relativamente aos restantes animais, ou seja: o domínio do fogo.

Astérix


Sobre a sacralização do porco fala-se e mostram-se imagens noutro conteúdo deste Museu, historicamente faz-se breve resenha a evidenciar a paixão dos amigos das boas pitanças pelo porco enquanto alimento de eleição.
O historiador Heródoto refere o facto de os egípcios pobres, sem meio para sacrificar porcas à Lua, lhe ofereciam bolos de farinha com a forma de porcas.



Uma das cozinhas mais antigas de todos os tempos – a da Mesopotâmia – não o dispensava, como o atesta o facto de numa cerimónia de cariz religioso realizada em Bad-na terem sido consumidos sessenta porcos.



Na Grécia o porco gozava de grande estima, primeiras vítimas animais sacrificadas nos altares dos deuses, a carne dava origem a suculentos pratos, dos derivados temos notícia do apreço que suscitavam os presuntos vindos da Lícia, da Frígia e da Ásia Menor. Os enchidos eram apreciados pela generalidade da população, Aristófanes na peça “Os cavalheiros” menciona as morcelas dizendo:”Porquê, bom homem, não me deixas limpar as tripas e vender as morcelas…”, Teófilo na peça “Lutador de pancrácio” alude:”A uma queixada, um presunto, quatro mãos de porco”, Antifanes em “A Coríntia” é bem expansivo na referência ao porco: “A – Assim que também miúdos de porco, para Afrodite? Ridículo. B – És um ignorante, em Chipre desfruta tanto como as porcas, patrão, que as impede de comer excrementos, mas em troca obriga as vacas a fazê-lo”.


Os romanos tinham na carne de porco um dos produtos de origem animal de maior valia para a satisfação dos necessitados (a maioria), e o sumptuoso requinte dos ricos, nalguns casos riquíssimos. Dezenas de autores afirmam e reafirmam quanto deviam ao porco no referente à satisfação do palato, Apícius em De Re Coquinaria legou-nos 46 receitas dedicadas ao porco (leitão e derivados), algumas delas esquisitas para não dizer outra coisa, dão-se alguns exemplos: salsichas com vulva de porca, almôndegas de vulva de porca, vulvas de porcas estareis, tetas de porca, rojões à moda de Óstia, presunto com pãezinhos de mosto, leitão com dois tipos de recheio, leitão assado com massa e mel, leitão cozido em vinho, leite à hortelão, molho para leitão de leite, modo de cozer o toucinho.













O império romano cobria boa parte do Mundo conhecido, por essa época tinham fama o toucinho, os enchidos, salames e presuntos da Gália, a pátria de Astérix grande apreciador de porco-montês), também famosos e cobiçados eram os presuntos da Lusitânia, levando o imperador Diocleciano a estabelecer uma taxa especial para eles dada a sua elevada qualidade. Neste território peninsular criavam-se porcos de enormes proporções, Atílio fala de um porco desse género, do mesmo retiraram-se duas costelas para oferecer ao senador Velúmnio, que pesavam 22 libras.



Em 1143, na vizinha cidade de Zamora, firma-se o tratado de paz entre Afonso Henriques e D. Afonso VII de Leão, “depois do qual é reconhecido ao infante português o título de rei.” Por esse tempo os porcos para lá da sua importância económica e valor na dieta da quase totalidade da população, assumia-se como marco divisório religioso e da reconquista cristã. Onde se consumiam porcos pressupunha-se a existência de cristãos.

Os forais dos primeiros reis portugueses fazem menção a porcos, porcas e leitões claro sinal do que representava na alimentação das gentes, outros documentos (numerosos) desde então até à produção industrial de alimentos. O estimável reco detinha a responsabilidade de abastecer de carne a população, podendo-se afirmar sem receios ele desempenhar primacial papel na vida das pessoas. Se a matança corresse mal, se os enchidos ficassem estragados, a família iria passar mal durante todo o ano.
Nos dias de hoje o porco continua a ser fundamental referência nos hábitos alimentares dos portugueses. Continua a propiciar riqueza, emprego, reconhecimento e prestígio a regiões e muitas localidades. Continua a ser objecto de veneração em Feiras, Festivais e Festas de comeres, ou eventos dedicados à promoção de Portugal além fronteiras. Continua a satisfazer os desejos das legiões de admiradores, seja na condição de pequerrucho leitãozinho, seja corpulento, seja ainda representado em presuntos, enchidos, orelhas, focinho e pés fumados ou salgados.

Continua a ser derradeira tábua de salvação em transes inesperados ou de despensa vazia. Que assim continue, para nossa satisfação e prazer.

Astérix
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