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O porco - criação, alimentação e tratamento medicinal através dos tempos​

Quinta do Bísaro

Anotações de Varrão



“Para possuir uma vara de porcos em boas condições, é preciso que cada animal tenha a idade e desenvolvimento físico convenientes. Deve ser forte e de cabeça grande; é preferível que a pele seja de uma só cor em vez de malhada. A cabeça do varrasco será especialmente curta e grossa. A qualidade da raça avalia-se pelo aspecto dos animais, pela fecundidade das porcas e pela proveniência da raça.


Quanto ao aspecto; é varrasco ou porca? É animal formoso relativamente à formosura da espécie?
Quanto à fecundidade: quantos leitões nasceram de cada vez?
Quanto à proveniência da raça: a região de onde vêm é afamada pelos seus belos espécimes?
Na altura da compra emprega-se a seguinte fórmula:”Garante-me que estas porcas estão sãs e que ficam a pertencer-me legitimamente e, finalmente, que não vêm de qualquer vara doente?” – Algumas pessoas acrescentam: “E que não sofrem de febre ou diarreia?”


Quanto às pastagens propícias a estes animais que gostam de água e até dos lamaçais, são elas os sítios pantanosos ou alagadiços. Diz-se que os lobos, quando conseguem filar um porco, arrastam a sua presa até encontrarem água, pois os seus dentes não podem suportar o calor extremo daquela carne.


Os porcos alimentam-se sobretudo de bolotas, mas também de favas, de cevada de quaisquer outros grãos. Esta alimentação não só os engorda, como dá à sua carne um gosto muito agradável. De verão, levam-se a pastar de manhã e, ao meio-dia, deixa-se que descansem à sombra e junto da água. À tarde, voltam a pastar quando o calor já estiver diminuído. De inverno, o pasto só lhes convém quando a geada branca desapareceu e o gelo se fundiu completamente.
As porcas devem ter pelo menos um ano quando são cobertas e o melhor seria que tivessem vinte meses, a fim de terem dois anos quando parem. Diz-se que o período de fecundidade dura sete anos depois da primeira vez que tiveram filhos. Para as dispor a bem receberem o macho, levam-se as porcas a sítios húmidos e alagadiços, onde possam chafurdar na lama, o que produz nelas o mesmo efeito que um banho no homem, Quando as porcas estão prenhes, devem ser afastadas dos varrascos. Estes começa, a cobria as fêmeas aos oito meses e conservam esta capacidade na sua plenitude durante um ano, findo o qual entra em declínio até que o varrasco só serve para ir para o matadouro.


O tratamento a dar aos porcos, chamado «porculatio».
Deixam-se as crias com a mãe durante dois meses e só lhas tiram quando as crias atingem a idade de se alimentarem por si. As crias que nascem durante o inverno, são sempre fracas: a causa reside principalmente na inclemência da estação que faz com que a mãe tenha pouco leite nessa quadra do ano. As crias, famintas, chupam a teta da mãe com tanta força que chegam a ferir-lhe os mamilos. As porcas que criam devem ter cada uma a sua pocilga onde possam à vontade criar os seus leitões e mantê-los separados dos leitões das outras porcas. Caso contrário, acontecerá que estes se prenderão às porcas estranhas e a consequência será uma mistura tal que deteriorará a raça.


O ano divide-se naturalmente em duas partes para as porcas. Concebem duas vezes por ano, sendo quatro meses de gestação e dois de amamentação.


Nos primeiros dias, as porcas podem alimentar oito bacorinhos. Passado este momento, os bons criadores de porcos entendem que a mãe não deve amamentar mais de quatro crias, pois nunca teria leite suficiente para criar convenientemente toda a ninhada. Durante os primeiros dez dias a seguir ao parto, as porcas não devem sair das pocilgas senão para irem aos bebedoiros. Depois desse tempo, podem ser levadas fora do recinto para comer e arejar, mas sempre na vizinhança da casa, de forma a poder sem canseira, aproximar-se dos filhos e dar-lhes de mamar. Estes, uma vez crescidos, seguem a mãe onde quer que ela vá. Fecham-se à parte ou levam-se a pastar sozinhos para os acostumar à natural separação. No fim de dez dias estão habituados.
Um ano é a idade indicada para a castração. Ou mesmo seis meses. Mas podendo esperar, é preferível que tenham o ano feito. Depois de castrados, deixam de ser chamados varrascos e passam a chamar-lhes «maiales».
Quanto a outros cuidados, limito-me a fazer uma observação. Se o leite da porca faltar aos bacorinhos por qualquer razão, dai-lhes trigo assado nas brasas (cru é demasiado laxativo) até fazerem três meses”.


In: Rerum Rusticarum, de Varrão
• Marco Terêncio Varrão, contemporâneo de Cícero e Virgílio, é considerado o maior erudito da antiga Roma. Nasceu em 116 a.C.

 

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