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Contos e fábulas envolvendo porcos

Porco-montês


“Segundo diz a lenda bragançana, o porco-montês teve esta origem passando o Senhor e São Pedro por certa aldeia, uma mulher pediu-lhe dois recos de meias, o Senhor deu-lhos, e, quando veio o tempo de os desaquinhoar, ela apresentou-lhe um, alegando que o outro morrera.
         – Pois esse é para ti – volveu-lhe ele – e para mim fica o que tens escondido na loja.
A mulher apanhada assim em flagrante delito de trapaça ficou atónita, o suíno fugiu para o monte, nunca mais o viu e lá deu origem aos porcos monteses.



O porco, a cabra e o capado


Num carro iam montados para a feira
Cabra, capado, e porco a ser vendidos,
(Diz a história), e não a diverti-los;
      Que não tinha o carreiro.
Intenção de levá-los à Comédia.
Grunhia Dom Cochino pela estrada,
Nem que cem magarefes o acossassem;
      Gritava – a estrugir surdos.
Os outros animais, criaturas mansas,
Boas gentes, pasmavam de tais prantos;
Nada vêem que os assuste. O carreteiro
      Diz agastado ao porco:
   – De que te queixas? De que assim me aturdes?
«Por que não tens quedo? Mais honrados
«Que tu, deveram esses dois fulanos
          “Dar-te civil doutrina,
«Ensinar a calar-te, ao menos. Olha
«Esse capado. Solta ele um só verbo?
«É sisudo.»
                                 O Porco
– «É um tolo. Se soubesse
    «O que o espera, gritava
«Como eu, com toda a força das guelas,
«A outra honrada pessoa dera berros
«Ao abrir-te do toutiço; persuadidas
      «Que vão desonerá-las,
«O capado, da lã; do leite a, a cabra.
«Não sei se têm razão. Quanto ao meu fardo
«Que comer é só bom, hei certa a morte.
        «Adeus, casa e pocilga.»
Discorria subtil o Dom Cochino.
Que lhe valeu? O mal, que ele é certo,
Prantos não torcem fados. Ver mais longe
   Nem sempre é de mais siso.”
In: Grande Fabulário de Portugal e do Brasil, tradução de Filinto Elísio





O porco, a cabra e o carneiro


Uma cabra, um carneiro e um porco gordo,
Juntos num carro iam à feira. Creio
Que todo o meu leitor será de acordo
Que não davam por gosto este passeio.

O porco ia em grandíssimo berreiro
Ensurdecendo a gente que passava;
E tanto um como outro companheiro
Daquela berraria se espantava.

Diz o carneiro ao porco; «Porque gritas,
Animal inimigo da limpeza?
Porque, trombudo bruto, não imitas
Dos companheiros tens a sisudeza?»

«Sisudos, dizes?!...Quer-me parecer
Que não têm a cabeça muito sã,
Porque pensam que apenas vão perder,
A cabra o leite, o companheiro a lã.

Mas eu, que sirvo só para a lambança,
Envio um terno adeus ao meu chiqueiro…
Pois cuido que à goela já me avança
O agudo facalhão do salsicheiro!»

Pensava sabiamente este cochino,
Mas para quê?, pergunto eu. Se o mal é certo,
É surdo às nossas queixas o destino;
E o que menos prevê é o mais esperto.
In: Fábulas de La Fontaine, tradução de José Inácio de Araújo





O guardador de porcos


Era um homem casado, que tinha um rapaz que lhe guardava os porcos Indo o rapaz uma vez para o pasto, chegou-se um homem a ele dizendo:
    – Vendes-me esses sete porcos?
    – Não vendo senão seis, mas o tio há-de dar-me já os rabos e as orelhas deles.
Ficou o contrato feito; o rapaz recebeu o dinheiro, e logo ali cortou as orelhas e os rabos dos seis porcos.
Chegando a um charco espetou no lodo as orelhas de os rabos dos seis porcos, e enterrou o sétimo porco até meio do corpo. E foi logo a gritar ter com o amo, para o ajudar a tirar os porcos, que tinham caído no charco. Veio o amo, e assim que puxou vieram-lhe os rabos à mão, com medo de perder os porcos todos, disse a criado:
      – Vai a casa e diz à minha mulher que te dê pás para puxarmos os porcos cá para fora.
O criado que sabia que o amo tinha duas sacas de dinheiro, chegou a casa e disse à mulher:
      – O patrão manda dizer que me entregue as duas sacas de dinheiro.
A mulher desconfiou; mas o criado disse que ela chegasse ao balcão; e perguntasse se eram ou não as duas. Pergunta a mulher de cá:
      – Sim, dá-lhe ambas as duas.
As mulheres não sabia que eram as pás, e entregou-lhe as sacas do dinheiro.
O rapaz agarrou-as e foi-se por outro caminho, e encontrando um veado, matou-o e tirou-lhe as tripas que meteu por dentro da camisa. Chegando perto de um homem que conhecia o patrão dele, começou a dizer:
       – E pôs-se a retalhar as que tinha do veado; o patrão quando chegou a casa e soube da ladroeira do criado, correu atrás dele, e encontrou no caminho o seu conhecido a quem perguntou se tinha visto passar por ali o moço.
            Ele respondeu:
            Vi, e ele fez uma coisa; tirou as tripas e cortou-as para correr mais depressa.
             Também vou fazer o mesmo para o apanhar.
              E cortando as tripas caiu morto. O moço quando soube isto voltou para trás e foi ter com a patroa, que estava viúva, e casou com ela.”
In: Contos Tradicionais Portugueses, escolhidos por Carlos de Oliveira e José Gomes Ferreira

A beleza do porco
Discutiam os animais reunidos em festa sobre os tipos mis formosos de suas relações. As opiniões divergiam, acaloradas e frementes.
    – É a onça pintada, elegante, altiva, possante, senhorial!
    – É o touro, forte, majestoso, dominador, invencível!
     Vai a porca e grunhe seu voto, com notório desprezo para os demais.
    – Nunca vi na minha vida tamanha injustiça e tal falta de observação artística! Parece que vocês não têm olhos ou não raciocinam. Haverá alguém mais belo que aquele animal incomparável, na maravilha das linhas harmoniosas?
        Todo o grupo se voltou para constatar a evidência da beleza irrecusável.
         Era o porco!...
         Quem ama o feio, bonito lhe parece.


In: Grande Fabulário de Portugal e do Brasil, de Vieira de Almeida e Luís da Câmara Cascudo

Otto Dix, Kinderalbum
O Porco e a Velhinha

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O Porco e a Velhinha - Versão de Joseph Jacobs

Levi Wells Prentice , Pig Pen

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